quarta-feira, 5 de outubro de 2011

:: Texto inacabado

Como em tantas outras noites, acordei com um texto na cabeça, a diferença dessa vez é que tinha você aqui, dormindo comigo pela segunda vez. Tentei levantar sem fazer barulho, acendendo o abajur do criado mudo pra começar a escrever na minha velha poltrona agora com cara de nova. Mas não adiantou meu esforço de pés de formiguinhas porque você acordou com a luz acesa do outro lado da cama e me olhou com a cara amassada mais linda que eu já conheci, me olhando com aquele olhar de quem não tava entendendo nada. Virando todo desajeitado pro pé da cama, só pra poder me tocar enquanto você mais dormia do que acordava. E eu disse pra você – “volta a dormir amor” te dando um beijo no seu olho com cara de mau, porque seu olho com cara de bonzinho tava esmagado debaixo do seu braço esquerdo que te servia de travesseiro nessa hora. E depois que você se convenceu de que não ia me tirar da poltrona ou porque simplesmente apagou mesmo, eu fui me dar conta no que tinha acabado de te falar. E aí o texto tão forte que tinha me tirado da cama do seu lado, desapareceu no meio de tantos outros textos inacabados no meu caderno de rascunhos e eu comecei a escrever sobre você pela primeira vez. E não foi por falta de sentir, de desejar escrever algo de bonito pra você, depois de tanto texto idiota escrito pra tanta gente imbecil. Porque é mais fácil ser triste amor. E eu antes escrevia por ser triste, por ler tristeza nas minhas linhas e nos rostos mal iluminados das pessoas ao meu redor. E eu me alimentava disso sem nem sequer perceber. Só que eu agora escrevo por ser feliz e por mais que alguém me conte uma história infeliz e eu tente passar isso pro papel, eu não tenho conseguido mais. Talvez eu te mostre esse texto um dia, talvez eu não te mostre jamais. Mas acontece que pessoa paranóica como eu, que sempre odiei essas generalizações no amor, de chamar o outro de “mô, benzinho, amore” e por aí vai, sempre inventei nomes diferentes pra chamar cada namorado, por achar desleal uma pessoa especial ser chamada igual a outra, chamei você de amor. Coisas tão comuns que os casais falam há séculos por aí. E aí uma pessoa dessas poderia dizer que dessa vez foi mais sincero, que dessa vez foi diferente pra alguém tentar acreditar, quem sabe ela mesma. Mas eu, que nunca tive problemas pra me relacionar, mas que ao mesmo tempo nunca acreditei no amor, nunca tinha dito isso pra ninguém, nunca tinha sentido isso por ninguém. E você nem sabe como eu me sinto perto de você, de como eu prendo a minha respiração quando a gente se perde no tempo se olhando, aí, só depois, eu lembro que eu posso respirar e te olhar ao mesmo tempo. Ou de como eu adoro me jogar nas suas costas largas e me sentir pequena e protegida ao mesmo tempo. De todas as vezes que a gente faz amor e é diferente. De como eu adoro deitar sobre seu peito e sentir seu coração bater , ou de como ele e seu corpo reagem aos meus carinhos ou gestos mais safados. To falando dessa total entrega, que tanta gente busca, e tão poucas tem. Que a gente desacredita que exista com o tempo por nunca ter encontrado também. Talvez seja injustiça não te mostrar isso tudo e me abrir assim, pra tanta gente que nem ao menos sabe quem eu sou. Que não faz a mínima idéia de que eu converso no telefone rabiscando a perna, que eu passei anos da minha vida não dando meus ursinhos de pelúcia porque achava que eles ficariam magoados comigo, que eu gosto do meu leite com duas colheres cheias de Nescau e que apesar de ter medo de escuro, só durmo sem a luz estar acesa. De como sou uma manteiga derretida, mas sempre faço cara de que “tá tudo bem“, da forma como eu internalizo as coisas ou do jeito como eu não sei pedir ajuda pra ninguém. E você que tem participado de tanta coisa, te deixo de fora. Mas a opção de me olhar lá no fundo dos olhos e de se enxergar, só você tem. Eu, que já escrevi tantas histórias em primeira pessoa que nem eram minhas, te digo amor: esse texto é seu, é nosso e não tem conclusão porque não tem fim.

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